quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Carlinhu 29

Estava prestes a bater seu recorde pessoal de velocidade quando um pequeno alarme interno o fez diminuir a passada. Como um sentido-aranha ou aquela campainha aguda do celular, que quando toca pela manhã quase o faz jogar o aparelho na parede, ele soube, só que de forma mais intimista e até sutil.
E, infelizmente, não estava enganado.
Lá vinha o rapaz novamente, todo alegre e sorridente, numa serelepimpância invejável. O pobre iludido vinha balançando os ombros em um remelexo corporal desengonçado, com seu olhar confiante, absoluto de si mas, coitado, sem fazer nem ideia da repulsa que sua presença causava no outro. O até então quase recordista desacelerou quase por completo a esteira ao notar pelo canto dos olhos que o infeliz sorridente bobo alegre indesejado estava olhando diretamente pra ele, vindo em sua direção.
Brace yourselves...” repetiu mentalmente a célebre frase do seriado, substituindo a sequência da sentença para “o cheiroso está chegando”.

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Abri os olhos com uma palavra martelando a cabeça

eu sou nada
nada em meio ao tudo
um fragmento microscópico
daquilo tudo que nada é
um pedaço minúsculo do pó
destinado a vagar incessantemente
em meio àquilo que nada tem
a poeira em cima
da escrivaninha de um cômodo vazio
um suspiro silencioso
que descreve um presságio vazio
aquilo tudo
que nada faz

eu sou nada
e tudo isso
em nada tudo mudou

domingo, 15 de maio de 2016

gritos vazios

Sentei-me em frente à mesa
com o teclado pedindo para ser
teclado
o copo ao lado suando gota solitária
escorrendo em reverente delicadeza
que atrasava um pouco mais
a lentidão da descida
tela em branco e eu
querendo escrever alguma
coisa
Formar palavras
frases
nem que fossem
belas mentiras
doces ilusões
A gota, antes no copo
agora na testa enrugada
me denunciava a verdade
escancarada
aquela realidade de merda que
me assombrava enquanto minha
mente procurava a ignorância:
Não.
Eu não tinha nada a
dizer.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Cotidiano do sonho esquecido

Acordou chutando o lençol, testa suada, olhando ao redor com cautela em manifesto momento de inquietação, com perfeita ciência de que a desorientação tomara posse de suas faculdades mentais. Não emitiu som algum pela boca.
Praguejando baixinho ao se apoiar na borda da cama para acomodar de maneira mais completa sua traseira, foi capaz de ver passar um breve filme em sua mente acerca daquele momento, quase como um daqueles déjà vu. Quando moleque, era também arremessado de forma violenta para fora de um sonho qualquer, caindo diretamente nas garras daquela vadia da realidade. Porém, nestes outros tempos se tratavam somente daqueles sonhos idiotas onde se tinha a infeliz da sensação de estar caindo de um edifício de infinitos andares. Ultimamente, desconhecia o motivo, mas estava familiarizado com o resultado.
Foi propositalmente incapaz de notar a desordem absoluta do quarto ao se encaminhar ao banheiro. Seus pés não encontraram nenhuma das garrafas vazias esquecidas no chão e, por isso, ele se manteve ativamente satisfeito neste jogo de auto-ilusão.