Acordou chutando o lençol, testa suada, olhando
ao redor com cautela em manifesto momento de inquietação, com perfeita ciência
de que a desorientação tomara posse de suas faculdades mentais. Não emitiu som
algum pela boca.
Praguejando baixinho ao se apoiar na borda da
cama para acomodar de maneira mais completa sua traseira, foi capaz de ver
passar um breve filme em sua mente acerca daquele momento, quase como um
daqueles déjà vu. Quando moleque, era
também arremessado de forma violenta para fora de um sonho qualquer, caindo
diretamente nas garras daquela vadia da realidade. Porém, nestes outros tempos
se tratavam somente daqueles sonhos idiotas onde se tinha a infeliz da sensação
de estar caindo de um edifício de infinitos andares. Ultimamente, desconhecia o
motivo, mas estava familiarizado com o resultado.
Foi propositalmente incapaz de notar a desordem
absoluta do quarto ao se encaminhar ao banheiro. Seus pés não encontraram
nenhuma das garrafas vazias esquecidas no chão e, por isso, ele se manteve
ativamente satisfeito neste jogo de auto-ilusão.
– Você perdeu de novo, seu imbecil sem-vergonha
– murmurou para seu reflexo mal-humorado no espelho. – Deixou escapar mais uma
ideia que seria daquelas das boas...
Deu uma mijada enquanto pensava um pouco mais
naquilo. Era um sonho bom, sua cabeça insistia em martelar, mas dele só se
recordava disso: era um daqueles sonhos bons, que dariam uma história
minimamente decente.
Escovou os dentes, tomou um banho e voltou para
a cama. Roncou mais um pouco e, tempos depois, acordou mais uma vez com o
chamado infernal do próprio estômago exigindo uma refeição decente. Ignorou,
pois a preguiça foi maior do que a vontade e um belo sábado de sol daqueles não
poderia ser desperdiçado fora da cama.
O motivo de tamanho desgosto se encontrava na
própria concepção de hobby que o
pobre diabo assumira. O infeliz gostava de teclar uma ou outra palavra, sem,
contudo, se autoproclamar escritor; possuía pretensões mais humildes naquele
momento. Contudo, nada fazia aplacar nele a inconformidade por ter perdido mais
uma ideia, que já era algo muito escasso para sua criatividade.
“Seu
miserável”, havia dito para si mesmo ainda durante o sono, como um
narrador explicando o be-a-bá da história que se desenrolava para o
interlocutor desatento, “muito bem! Isso
aqui pode dar uma baita história. Manda bala quando acordar, porque coisa assim
não acontece de novo não...”
Seus olhos se abrindo revelaram mais uma
interrupção neste looping de
reflexões. Chega. Levantou-se bocejando e foi preparar um café. Assuntos
secundários e idiotas rondavam sua mente, tais como a conta de luz que estava
para vencer, as novas contratações do seu time de futebol, aquela receita que
levava bacon que vira há umas duas semanas mas não tentou reproduzir ainda, os
politicamente corretos, incorretos, o que deixava de achar disso, o lixo que
não iria se colocar na rua sozinho, a gripe suína que ninguém comentava mais.
Nada, porém, o fazia ter um lampejo de lembrança
sobre aquele tal sonho bacana. Estava prestes a desistir quando, ao jogar o pó
de café fora, teve a atenção presa naquele lixo que já se amontoava em uma
pilha de resíduos a jogar fora. Resolveu, com isso, que o sábado não seria de
todo em vão.
16 andares abaixo, saco na lixeira, prestes a
subir com o elevador todos esses andares e se isolar em seu canto escuro, em
seu forte de solidão, quando o sujeitinho esquisito do 13º pediu para segurar a
porta de uma maneira que ele não teve como fingir que não viu – pois a porta
nem havia começado a se fechar, afinal.
Silêncio típico de elevador, que ele preferia
ter mantido, mas não foi capaz de evitar a conversa de tom ‘obrigacional’ mais
esquisita que já tivera na vida.
– E esses elevadores, hein rapaz – forçou o cara
do 13º.
– É. Pois é.
– Que elevadores, hein. Que coisa.
– Pois é. Sobem. Descem. Sobem.
– Isso, isso, isso mesmo – uma breve luz de
concordância e alívio se afigurou nas feições do sujeito. – Sobem e descem!
– Uhum.
– Bem, falou. Até mais.
Salvo pelo 13º andar.
Subiu os 3 andares restantes sozinho e pensando
no por quê daquele ser glorioso puxar um assunto desses. Compreensível falar do
tempo, como qualquer outro indivíduo desconfortável com o silêncio. Falar da
Copa, daquele filme de bosta que estreou recentemente, da comida servida no
refeitório da faculdade. Mas, inacreditavelmente, o assunto de elevador foi,
dessa vez, os próprios elevadores de uma forma geral.
– Ensaio elevadorístico – disse em voz alta
enquanto dava uma volta na fechadura da sua porta de entrada.
O resto daquele dia arrastado acabou voando como
uma pena no vendaval, constatou ele ao checar o relógio.
Com um copo meio cheio de uma dose de alguma
coisa qualquer, sentou-se e ficou encarando a tela em branco à sua frente.
Resoluto, estabeleceu uma meta de não se deixar mais confiar na própria mente.
Se preciso, manteria um bloco de notas no espaço ao seu lado na cama, já que
criado-mudo ele não tinha. Junto, uma caneta, claro, alertou-se.
E, enquanto isso não acontecia – pois se tratava
de mais um daqueles planos ‘amanhã-eu-faço’ que acabam não tendo tempo
determinado para serem colocados em prática –, começou a teclar coisa qualquer
para escrever, naquela ocasião, sobre a terrível experiência de ter no reino
dos sonhos uma ideia das boas só para vê-la depois escapar de seu domínio, como
grãos de areia sendo espalhados por dedos se abrindo e caindo numa imensidão
desértica de outros grãos.
Tomou um gole. Aquele era um dia a menos em sua
vivência e, afinal, um dia a mais a ser ignorado no futuro.
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