quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Meu amigo peludo

Tenho um amigo muito peludo. Muito amigo, e muito peludo. Meu amigo não por especificamente ser peludo, mas peludo mesmo sendo meu amigo. Uma de suas grandes manias, entre uma ênfase em literatura erótica aqui e menções a sonoplastia visual de obras do segundo escalação do cinema de sua cidade natal ali, era a de liberar ruidosos gases todas as vezes em que era confrontado - talvez por isso ele tenha desistido tão cedo da ideia de ser advogado quando cogitou concluir o curso de direito. 

A ocorrência também se verificava, com certa frequência, quando alguém lhe perguntava algo que o fazia ingressar em dúbios questionamentos internos, como que dividido entre duas opções óbvias onde ele rapidamente deveria escolher um caminho, e foi isso que o colocou em uma verdadeira encruzilhada durante uma simples ida à padaria.

- Crédito ou débito?

Pronto. A concentração do homem foi tanta, a fim de evitar que seu canal dos fundilhos produzisse, ansioso, como de costume, sua retumbante manifestação, que ele chegou a gemer. 

A atendente, pobre infeliz, mal podia imaginar o que se passava dentro da cabeça daquele rapaz rico em pelugem, fraco de feição, com um saco de pãezinhos com sal, outro contendo sonhos de doce de leite e goiabada e algumas gramas de queijo em uma mão e o cartão do banco sendo estendido pela outra.

- Moço? - chamou a preocupada atendente do caixa, quase gemendo como o peludão à sua frente - você está bem?

Nenhuma resposta além da face azeda, travada e nervosa. Pingos de suor começaram a brotar da testa do meu caro amigo, cidadão bondoso sem maldades no coração, muito embora seus peidos passassem a impressão de descaso a alguns, quando algo brilhou em sua mente.

Sim, porque àquela altura dos acontecimentos, ele, diante daquela mocinha do caixa, sabia que precisava tomar uma atitude drástica. Cada vez mais certo disso, o rapaz também tinha plena ciência de que o maldito “crédito ou débito” o desmontou, e armou nele sua fatal resposta flatulenta: o peido já estava engatilhado, prontinho pra sair, de forma que era fato incontestável que dentro de no máximo alguns segundos seu corpo iria acabar liberando aquela verdadeira arma de vergonha e remorso.

Sabia que tinha que agir rápido e, como num rápido flash, um estrondoso e salvador pensamento lhe rasgou a mente: usar a tática do ruído abafador.

Perfeito. Preparou, então, um espirro, apenas alguns segundos após a moça do caixa lhe perguntar se estava bem.

Seria um espirro maravilhoso, daqueles de atrair toda a atenção do recinto, certamente, mas também de tirar dos presentes no local a percepção de que do traseiro de meu amigo saía um peido nervoso.

Tudo pronto. Iria espirrar. O plano era perfeito e, afinal, sabia que logo após o espirro/peido, iria pedir desculpas à gentil moça do caixa e anunciar “débito, por favor, minha cara”.

Contudo, apesar de amplamente sabido que Deus escreve certo por linhas tortas, o que poucos se debruçam para refletir é que as linhas tortas, antes de receberem a dádiva da interferência divina, não deixavam de ser tortas. Ora, a condição primordial para a estratagema funcionar era fazer com que o ápice sonoro do peido e o ápice sonoro do espirro acontecessem exatamente ao mesmo tempo, mas meu pobre amigo, ao coordenar mentalmente o seu golpe de mestre para escapar do desconforto de saberem que ele flatulou em plena padaria, se esqueceu de avisar seu pobre rabo e, dessa desarranjada sinfonia, o resultado foi um peido ordinário, rouco, que fez tremer as pregas, perfeitamente audível a absolutamente todos no recinto - e também a alguns que transitavam pela calçada -, seguido do espirro mais escandaloso e molhado que a pobre mocinha do caixa já presenciou.

Os pãezinhos de sal, com os sonhos e o queijo ficaram ao balcão. Meu amigo peludo, que também consagrou o chão da padaria com pêlos seus pousando docemente à volta da onde estava, tamanho foi o tremor cênico de seu corpo ao espirrar, não conseguiu proferir uma só palavra. Se mandou.

Hoje, apesar daquela bela padaria ficar a menos de um quilômetro de sua residência, ele sempre vai a outro local, no mínimo três vezes mais longe, ainda que seja para adquirir uma goma de mascar. No estabelecimento, por muito tempo, ele foi lembrado como o peludão peidorreiro da cara travada. Às vezes o tiro sai pela culatra, e meu amigo, nesse dia, aprendeu que há certos peidos que não foram feitos para serem domados.

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