– Escuta aqui, seu puto – cuspiu
enraivecido enquanto se levantava – perdeu amor a essa sua vidinha de merda?
Qualquer um poderia farejar uma
briga feia a caminho. A galope, em urgente iminência, como a decolagem certa de
um avião que se encaminha ligeiro ao longo da pista de lançamento.
Eu não fiz, exatamente, por mal.
Na verdade tratou-se muito mais de um impulso impensado, irracional e
completamente alheio a tudo que eu já vivenciara do que um movimento ponderado
e calculado. Ele simplesmente estava lá, eu há uns cinco metros, e aquilo
aconteceu.
O homem era mais alto do que eu.
Uns dez centímetros, pelo menos, e aparentava robustez de músculos, lembrando
muito um grande barril de carvalho.
Veio bufando e quase babando, com
olhos de fúria e embriaguez, para cima de mim, de punhos cerrados e peito
aberto, como um verdadeiro galo de briga. Não tive escolha.
– Seu bosta – eu disse uma última
vez, antes do início das vias de fato, o que agravou ainda mais o olhar
demoníaco e alucinado do outro homem. A cabeça dele ainda estava molhada no
ponto que foi meu alvo para dar o pontapé a esta verdadeira mistura de atos
violentos.
Os outros fregueses e o barman
nada faziam. Somente olhavam, com olhos petrificados, o desenrolar desta cena
que prometia uma verdadeira carnificina e, a julgar pelos olhares que me
lançavam, tomavam-me como o elo mais fraco da pendenga.
Desceu o punho dele, forte,
decidido e rápido como um trovão. Felizmente, eu havia previsto aquela
investida, de forma que desviei meio trôpego daquele soco.
Não consegui, contudo, antever o
movimento do outro braço, que me acertou em cheio no meio do queixo, fazendo
com que eu claramente sentisse que algo provavelmente foi pelo menos trincado
dentro de mim depois daquele golpe.
– Vishh – eu ouvia o baixo gemido
de espanto dos outros clientes, enquanto aqueles olhos enraivecidos do meu
oponente me fuzilavam e destilavam para cima de mim o mais profundo ódio, de um
homem considerado de pavio curto que havia ido ao bar beber e foi surpreendido
com algo completamente inusitado.
Acontece que ele tinha um vício.
Uma mania que, desde o primeiro momento que o vi fazendo, me irritou profunda e
inexplicavelmente. Ele ficava tamborilando aqueles dedos grossos como salsichas
imundas no balcão e na caneca de cerveja sem parar, como se fosse maestro de
sua orquestra imaginária. Mas não era só isso pois, para mim, aquele batuque
misturado à total expressão arrogante em seu semblante, se tornou a combinação
mais irritante de todo o universo.
E ele não parava. Batucava, batia
os dedos grossos com força, fazendo barulho, incomodando a todos ao seu redor.
Tump tump
tump.
Para ser sincero, eu não pude
averiguar se realmente os outros estavam prestando atenção àquela hedionda
mania do homem, tamanha era minha indignação. Minha bile já estava amarga e eu
principiava a ter alucinações de raiva. Ele simplesmente não parava. Foram dez
minutos ou talvez duas horas, não sei dizer ao certo, pois minha noção de tempo
restou completamente afetada. Tudo o que sei é que em meu particular, em meu
intelecto, eu estava sendo despedaçado. Talvez o problema fosse comigo, ou
realmente com ele, mas era certo de que havia um problema enorme.
Tump
tump.
Não me contive.
Tump
tump.
Em um ato da mais pura insensatez,
atirei na cabeça dele o resto de cerveja que ainda tinha em meu copo.
Claro que aquilo fez parar o
batuque que me enlouquecia inexplicavelmente. Mas, em contrapartida, fez com
que em meu semblante fosse pintada uma gigante marca vermelha para aquele
verdadeiro touro ensandecido.
Mais um golpe, maiores dores.
E então, aquilo que depois me
pareceu a coisa mais óbvia do mundo, surgiu em minha mente: se eu causei aquilo
e estou apanhando feito um condenado, preciso ao menos tentar reagir. Tentar.
Foi o que fiz.
Não saberia nunca explicar como
consegui acertar um soco naquela face carrancuda. Talvez o teor alcoólico dele
estava mais elevado do que o meu, de forma que seus reflexos já não eram tão
primorosos.
A briga, então, seguiu numa
tresloucada troca de murros, pontapés, empurrões e uma quase caída ao chão pelo
que, me pareceu, pouco tempo.
Foi só quando alguém finalmente
nos separou que pude ver que eu nada via que não fosse tingido pelo sangue vivo
que escorria de meu rosto. Eu devia estar uma desolação só. Obviamente, o
mastodonte com o qual me engalfinhei não apresentava tantos danos, mas tinha lá
suas dores e feridas.
Expulsaram-nos do bar. Nunca mais
vi aquele homem, que virou sombras quando eu, já andando, olhei para trás para
me certificar de que não era seguido para um eventual encerramento do embate.
Atravessei a rua, encontrei outro
bar. Ansiava por mais uma gelada, para acalmar os ânimos.
Quando entrei, senti a maioria
dos olhos se desviarem rapidamente em minha direção, e tive a certeza, apesar
de não retribuir nenhum, de que todos me olhavam curiosos e investigativos,
como filhotes de cachorro diante de um objeto desconhecido a ser explorado.
Imaginei qual seria a visão que tinham. Um magrelo surrado, espancado, ensanguentado
e praticamente nocauteado que se sentou ao balcão.
– Cerveja, por favor – balbuciei enquanto
me ajeitava no banco.
Mal tive tempo de me sentar,
pedir a bebida e começar a me acalmar e percebi um ruído que me era irritantemente
conhecido.
Tump tump
tump.
Não sei o porquê, mas dessa vez a
desgraça estava ainda maior. Sentia meus tímpanos vibrando ao som daqueles
dedos acompanhados agora pelas mãos e também pés malditos, que tamborilavam de
forma ainda mais irritante.
Olhei atentamente o rosto do
responsável. Não, não era o mesmo homem. Contudo, o ruído animalesco e
inexplicavelmente irritante, a mim – pois ninguém mais dava mostras de
descontentamento, percebi – soava até provocador.
Tump tump
tump tump tump paf tump paf tump pof pof tump.
A cerveja chegou.
Se eu tivesse um espelho naquele
momento, poderia ver meu olho esquerdo piscando desenfreadamente, num impulso
automático causado por aquele batuque que me arranhava a alma.
Não tive escolha. O impulso
voltou. E dessa vez iria a caneca cheia de cerveja.
Tump tump
tump.
Eu não ouvia mais nada. Não via
mais nada. Aquele barulho tinha que parar.
A noite seria longa.
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