Rodava com o carro exibindo o
braço esquerdo pendurado na janela aberta aos raspões da brisa suave, mas
pesada que se chocava com aquele corpo em movimento. O sol da tarde já havia se
escondido atrás dos edifícios mais altos ao redor, de forma que a luz forte do astro
que habitualmente obriga a todos os motoristas a abaixar o quebra-sol e mesmo
assim fazer fendas com os olhos para enxergar se despedira minutos atrás.
Apesar do trânsito leve, a avenida estava tranquila para se movimentar.
No rádio, Springsteen cantava “You’re Missing”. O carro
ia à cerca de 50 por hora, sem pressa. Ele sentia-se em um momento
contemplativo, só que não sabia ainda ao certo do quê.
Olhou para fora através de seus
óculos de sol de lentes verde e observou as pessoas, algumas poucas correndo
para manter a forma, a maioria com pressa para chegar a algum lugar e algumas
outras cansadas depois de mais um dia de trabalho. Entendia-as.
Ainda na avenida, passou pelo
acesso à esquerda que o conduziria a uma rua paralela na qual estava o seu
destino daquela viagem. Simplesmente passou reto pela entrada na avenida, sem
olhar para trás ou maiores indagações acerca do por quê daquilo. Queria dar
mais uma volta, escutar a música inteira.
“Yo-ou’re missing...”
Avançou mais um pouco a parou
no sinal vermelho.
Foi aí então que, pela primeira
vez naquele final de tarde de janeiro, em meio à algazarra e miscelânea de
pessoas, objetos, veículos, coisas e espaços diferentes que uma cidade
proporciona, ele ergueu seus olhos rumo ao céu.
E, ali no céu, ele encontrou o
objeto de sua antevista contemplação. O céu não estava pintado com diversos
tons alaranjados, vermelhos e amarelos que normalmente despertam o olhar
admirado de transeuntes mais relaxados com a rotina. O manto que cobria a
cidade estava simplesmente azul com nuvens brancas. Simples assim. O que chamou
a atenção dele, não obstante, foi justamente uma destas nuvens.
Ela ia ao lado de outra nuvem,
ambas tão brancas quanto o mais puro algodão ou o mais fresco e imaculado floco
de neve. Eram nuvens completamente alvas e grandes, que avançavam lentamente pelo
céu azul claro.
Lentamente, na verdade, era uma
questão de perspectiva. Talvez, lá em cima, a velocidade que elas assumiam
fosse muito maior do que os olhos dele à distância permitiam medir.
E ia por lá o belo formato de
nuvem que lhe chamara a atenção. Despertara-lhe contemplação pela pureza de sua
brancura e pelo seu formato singular. Pois não se tratava de uma nuvem simples,
e sim de um verdadeiro tubo de ar envolvo por partículas brancas, como um canudo
gigante em forma de nuvem. Era algo um tanto quanto cilíndrico e simples, que
viajava a muitos quilômetros de distância daqueles olhos dele. Mas era belo.
Neste minuto e pouco que durava
o sinal vermelho que o forçara a parar, ele se pegou pensando na infinitude dos
sistemas, das galáxias, do universo. Surpreendeu-se com aquela constatação já
velha conhecida do homem, oriunda dos tempos mais antigos onde os mais antigos
de nossa espécie erguiam as cabeças e os olhos estupefatos para os céus
noturnos a fim de admirar a imensidão de estrelas em sua abundância
deslumbrante. Éramos, todos, menos do que poeira espacial na infinitude do
universo.
Entretanto, este pensamento
oriundo da admiração de algo muito maior e muito distante, ali, sereno e imperturbável,
não o abalou nem o deprimiu. Pelo contrário. Constatou que, apesar de sua
pequeneza diante de tudo aquilo, ele próprio fazia parte de todo esta vastidão
infinita. Ora, se estava ele lá, olhando, admirando aquela paisagem natural que
desfilava para seus olhos agora atentos, e ele, admirador, tinha a ciência e
discernimento suficientes para se deixar deleitar com aquilo, aquilo se tornara
algo para ele, de forma que ele passou a reconhecer a beleza daquele formato de
nuvens, tal como para com o imenso conglomerado de partículas que formava
aquela paisagem natural, alguém passou a se importar – sendo o admirador muito
menor em tamanho do que o objeto admirado; mas a questão já não passava mais de
um viés de perspectiva. Imaginou a progressão que aquilo poderia tomar e se
sentiu parte integrante do universo, e não algo descartável dele. Sentiu-se,
repentinamente, confortado com a ideia. Sua vida, apesar de dimensões ínfimas
diante do universo, não perdia sua beleza singular e muito menos a capacidade
de se admirar a beleza. E aquilo era belo. Aquele canudo gigante de nuvens
distantes.
Perdido nestes pensamentos, mal
reparou no fato de que o turbilhão, o tubo de nuvem que pescara sua admiração e
jogara-o em intensas reflexões mentais, havia começado a notadamente se
dissipar. Em breve, todas aquelas partículas de nuvem já não estariam mais
juntadas, a corrente de ar que provavelmente só passava pelo meio do canudo
gigante já estaria passando por toda a sua forma, desmanchando-o, e a imagem
não existiria mais.
Contudo, ao menos ele pôde
admirar. A beleza não lhe escapara e não escaparia mais.
Um pouco mais em paz, voltou
seus olhos para seus arredores urbanísticos, ao caos e excentricidades da
cidade. Aquela selva de pedra, de loucos e de multidões que contrastava, e
muito, com a beleza natural que acabara de contemplar céu acima.
“Everything
is everything.”
O sinal abriu.
Engatou a primeira.
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