Normalmente o trânsito naquela hora da manhã era bem truncado e
frenético por conta dos tão amados motoqueiros-costureiros
apressados. Percorriam-se vinte metros para então ficar parado por
pouco mais de um minuto ao se acender o vermelho no sinal. E aquele
dia não vinha sendo diferente: Gabriel dos Alencar, com suas raras
habilidades automobilísticas, guiava pela faixa da direita da
avenida quase atingindo o limite da sua curta paciência.
Parou ao sinal fechado, com cerca de quatro carros à sua frente e o
sol mandando suas lembranças ao lamber os pára-brisas dos veículos
ali esperando como ele, quando observou o sujeito atravessando a rua
na faixa.
Tratava-se do tão conhecido anão japonês daquele bairro, que
trabalhava no açougue duas quadras pra frente. Enquanto os olhos de
Alencar seguiam o homem que andava a seu próprio ritmo, mal pôde
processar a informação de que um estrondoso barulho de motor sendo
elevado aos seus limites se aproximava à direita...
E, por conta da pequena distração nipônica, por um pouco não viu
quando um verdadeiro animal guiando uma esguia motocicleta vinha a
mil pela direita, entre os carros com seus motoristas esperando e os
carros estacionados na via.
Quando virou o olhar para o lado, tudo o que conseguiu ver foi o
momento em que motoqueiro, agora abaixado para conferir mais
aerodinâmica ao seu inconseqüente pilotar, passou moendo tudo ao
seu lado, produzindo um triste e doído (para Gabriel) barulho de
quebra que não lhe soou nada bom. Todavia, antes mesmo de processar
aquela informação, talvez antes mesmo de poder virar o rosto e já
no momento em que viu o anão japonês, Gabriel pressentiu o
inevitável: seu retrovisor direito restaria pendurado apenas pelos
fios, graças às gentilezas daquele motoqueiro absolutamente
desequilibrado.
– SEU FILHO DA PU... – não terminou de esbravejar sua polida
resposta ao ocorrido pois o arranca-espelhos já se encontrava longe.
Obviamente furara o sinal, quase se chocando com o inocente nipônico
de baixa estatura que, mais do que todos os outros motoristas ali
parados, nada tinha a ver com aquela situação toda.
Indignado e consternado, Alencar recebeu olhares de solidariedade e
igual indignação de seus vizinhos de sinal, observando da mesma
forma nas feições do rapaz que vendia balas e drops a clara
formação de uma expressão de “viiiiiiiiiiish” se anuviando.
– Essas bostas fazem parte, cara! Segue o jogo! – Alguém gritou.
Em resposta, acenou com a cabeça e deu um sorriso meio amarelado,
pois por dentro fervilhava, tomado por uma profunda ira, que foi se
tornando mais branda depois que ele começou a contar suas longas
respirações ao buscar diminuir a irritação. Afinal, o sujeito que
lhe deu apoio tinha razão.
Na hora de voltar a se movimentar, engatou a primeira e seguiu seu
rumo rotineiro, deixando alguns cacos quebrados para trás.
O espelho retrovisor demoraria uma semana e meia para arrumar, e
isso depois de quase ser pego pela fiscalização de trânsito da
cidade. O motoqueiro imbecil, nunca mais viu. No dia seguinte, já se
deparou com o anão japonês de novo.
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