quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Aquela experiência traumática que ele tentou evitar

Poço.
E ele sentia crescer dentro de si aquela apreensão imensa e esmagadora, que na verdade se tratava de um profundo e escuro
poço
consumindo-o, abrindo uma ferida que esperança ou misericórdia alguma poderiam suprimir, uma ferida tão grande que sua presença, afinal, não passava de uma verdadeira ausência de algo que outrora estivera ali e parecia-lhe ser algo de extrema importância, mas que agora...
Um espasmo nervoso.
Sentado, os pés se mexiam frenética e descontroladamente, enquanto os dedos tamborilavam o joelho num ritmo que trazia a mais genuína nota de desalento para sua alma.
Por que se submeteria àquilo, insistia em se perguntar mentalmente à medida em que crescia exponencialmente a incredulidade por suas pernas o terem levado até ali.
Frio.
Enquanto repassava mentalmente sua estratégia de atuação no momento em que convocassem-no pelo nome, sentia escorrendo na testa aquela insistente e reincidente gota de suor que descia nervosa, fazendo subir à sua espinha um congelante
frio
esmigalhando qualquer resto de esperança que seu coração pudesse nutrir de que teria capacidade de simplesmente se levantar e ir embora dali o quanto antes.
Estava preso. Acuado, enjaulado, coagido, injustiçado. Não queria estar ali por nada neste mundo. Pavor.
Sentia. Pavor.
A perna, agora com vida própria, ditava o próprio ritmo de seu samba alucinado e desajeitado, fazendo com que o seu outrora dono restasse corado e envergonhado ali, enquanto se encontrava
sentado
esperando o momento de ser convocado para afundar ainda mais naquele terrível, escuro e apavorante
poço
de sobremaneira que sabia que o que o envolveria, ao invés dos aconchegantes braços da esperança e da bondade, quentes e revigorantes, seriam os agonizantes, depreciativos e asquerosos dedos do
frio
congelante e implacável que já o fazia sentir-se exposto à mais intensa desolação.
Olhava ao redor, buscando alento.
Em tudo que olhava, encontrava maior desespero, gritava por dentro tomado por um espírito de agonia, enquanto olhava mais uma vez para aqueles sádicos e cruéis cartazes, panfletos e informativos.
Tudo o que queria naquele momento era...
– Paulo Bardalho de Jesus?
Quase torceu o pescoço quando seu reflexo fez sua cabeça virar violentamente para a fonte do chamado ao som de seu nome sendo dito.
Com olhos vidrados e quase lacrimosos, continuou encarando aquela moça detentora da voz que o convocou.
Lenta e timidamente se levantou. Não por timidez, necessariamente, mas por estar tomado pela indecisão em sua forma mais aguda e hedionda, que levou o homem ao ponto de quase desembestar porta afora e nunca mais pôr os pés ali.
Contudo, foi em direção à moça que, sorrindo um sorriso amarelo e preocupado diante da figura daquele esquisitão que mal chegara e já parecia um picolé no asfalto de tão suado e nervoso, mantinha a porta aberta para Bardalho passar.
E foi assim que, depois de incontáveis anos, período tal que nem o próprio conseguia mais mensurar, Paulo Bardalho de Jesus finalmente foi ao dentista.

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