Poço.
E ele sentia crescer dentro de
si aquela apreensão imensa e esmagadora, que na verdade se tratava de um
profundo e escuro
poço
consumindo-o, abrindo uma
ferida que esperança ou misericórdia alguma poderiam suprimir, uma ferida tão
grande que sua presença, afinal, não passava de uma verdadeira ausência de algo
que outrora estivera ali e parecia-lhe ser algo de extrema importância, mas que
agora...
Sentado, os pés se mexiam frenética
e descontroladamente, enquanto os dedos tamborilavam o joelho num ritmo que
trazia a mais genuína nota de desalento para sua alma.
Por que se submeteria àquilo,
insistia em se perguntar mentalmente à medida em que crescia exponencialmente a
incredulidade por suas pernas o terem levado até ali.
Frio.
Enquanto repassava mentalmente
sua estratégia de atuação no momento em que convocassem-no pelo nome, sentia
escorrendo na testa aquela insistente e reincidente gota de suor que descia
nervosa, fazendo subir à sua espinha um congelante
frio
esmigalhando qualquer resto de
esperança que seu coração pudesse nutrir de que teria capacidade de
simplesmente se levantar e ir embora dali o quanto antes.
Estava preso. Acuado,
enjaulado, coagido, injustiçado. Não queria estar ali por nada neste mundo.
Pavor.
Sentia. Pavor.
A perna, agora com vida
própria, ditava o próprio ritmo de seu samba alucinado e desajeitado, fazendo
com que o seu outrora dono restasse corado e envergonhado ali, enquanto se
encontrava
sentado
esperando o momento de ser
convocado para afundar ainda mais naquele terrível, escuro e apavorante
poço
de sobremaneira que sabia que o
que o envolveria, ao invés dos aconchegantes braços da esperança e da bondade,
quentes e revigorantes, seriam os agonizantes, depreciativos e asquerosos dedos
do
frio
congelante e implacável que já
o fazia sentir-se exposto à mais intensa desolação.
Olhava ao redor, buscando
alento.
Em tudo que olhava, encontrava
maior desespero, gritava por dentro tomado por um espírito de agonia, enquanto
olhava mais uma vez para aqueles sádicos e cruéis cartazes, panfletos e
informativos.
Tudo o que queria naquele
momento era...
– Paulo Bardalho de Jesus?
Quase torceu o pescoço quando
seu reflexo fez sua cabeça virar violentamente para a fonte do chamado ao som
de seu nome sendo dito.
Com olhos vidrados e quase lacrimosos,
continuou encarando aquela moça detentora da voz que o convocou.
Lenta e timidamente se
levantou. Não por timidez, necessariamente, mas por estar tomado pela indecisão
em sua forma mais aguda e hedionda, que levou o homem ao ponto de quase
desembestar porta afora e nunca mais pôr os pés ali.
Contudo, foi em direção à moça
que, sorrindo um sorriso amarelo e preocupado diante da figura daquele
esquisitão que mal chegara e já parecia um picolé no asfalto de tão suado e
nervoso, mantinha a porta aberta para Bardalho passar.
E foi assim que, depois de incontáveis
anos, período tal que nem o próprio conseguia mais mensurar, Paulo Bardalho de
Jesus finalmente foi ao dentista.
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