domingo, 31 de agosto de 2014

Sinal vermelho

Dirijo.
Trabalhava em um novo projeto de condomínio. Ainda estava no rascunho e não sabia dizer se ficaria bom. Minha precocidade na função conferia a cada ato meu uma grande pitada de incertezas. Mas esta gama de possibilidades me fascinava. Meus desenhos, que antes eram cheios de vida mas um tanto quanto imaginativos demais, passaram a ganhar traços verossímeis e realistas, coisa que facilitaria o processo de aceitação e posterior execução daquilo que foi projetado. Essa era a tendência. O lápis ainda deslizava sobre a folha com um certo vigor, mas possuía uma trajetória diferente que outrora tivera. Eu estava aprendendo. Isso já era algo a se celebrar.
Terminava um gramado qualquer quando o telefone tocou.
Acidente feio. Mortes. Eu sabia quem. Deveria me apressar. Perdi o chão. Larguei tudo. Corri. Era noite. Chovia. Entrei no carro. Dei a partida. Arranquei. Estava desorientado. Sinal. Vermelho. Furei. Não pensava. Alucinado. Caótico. Acelerava. Rápido. Para-brisa molhado. Faixa contínua. Mão dupla. Enxergava muito mal. Pensava em tudo. E em nada. Não diminuía. Ainda longe. Acelerei. Outro sinal. Vermelho.
Dirigia.
A luz à esquerda surgiu e repentinamente cresceu, envolvendo tudo ao meu redor, rápida.
Não ouvi estrondo algum.

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Dois carniceiros no céu

Certa vez, no intervalo de uma aula para outra, sentados em um dos vários bancos do arborizado campus, eu e Jeremias conversávamos.
– Se você parar pra pensar – dizia ele –, hoje em dia as produções andam muito mais caprichadas...
– É... – minhas ponderações daquele momento não acrescentavam muita informação relevante ao raciocínio. Me limitava a concordar.
– Sabe o que eu digo. Não é que não existissem séries boas antes. Mas hoje parece que há um apelo muito forte ao formato. Muitos astros do cinema estão protagonizando ou participando de séries.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

vinte e cinco não é para qualquer um

parabéns aos pombinhos que dentre as dificuldades
completam 25 anos; nesse tempo geraram,
criaram, educaram e se alegraram
e, além de qualquer empecilho pelo caminho,
celebraram. 

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Cheeseburguer duplo com preço de triplo

Às vezes é bem difícil entender e se fazer compreensível. Mas, na maioria das vezes, na verdade, não é culpa sua.
Por exemplo: certo dia, estava andando pelo centro um pouco apressado, cumprindo tarefas inerentes e essenciais ao meu trabalho. Normalmente fico sentado a maior parte do tempo, digitando alucinadamente nas teclas do meu notebook. Porém, em ocasiões como aquela, precisava bater um pouco de perna.
Era perto da hora do almoço e meu estômago roncava, exigente. Com razão, o pobre coitado, pois não havia mandado nada para lá desde as primeiras horas da manhã, que foi quando acordei já cansado – quanto a isso, não existiam exceções, infelizmente.

domingo, 17 de agosto de 2014

um ovo no hambúrguer

chegamos nós três,
sentamos, pedimos e
comemos.
a bebida veio gelada
e várias fotos foram
tiradas.
meu hambúrguer veio com
um ovo dentro
coisa boa, receita da
casa.
nos empanturramos, elas
sorridentes, minha namorada
e minha irmã.
pedi a
conta. saímos apreensivos,
queríamos fugir de mansinho
dele.
andamos apressados e
silenciosos
mas não teve
jeito:
o rapaz que guardava os carros
surgiu do
nada.

domingo, 10 de agosto de 2014

o saco de maçã

Enquanto andava para o escritório
um mendigo que sempre
ficava por ali
me pediu “um pão
e um café” e
agradeceu com um
“obrigado irmãozinho” quando lhe
entreguei minha maçã. 

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Notas de um cão na selva urbana

Me chamavam de Pinguinho. Mas isso era no começo. Eu era bem pequeno, muito menor do que hoje, não sabia nem levantar a perna na hora de me aliviar. Aí, quando eu cresci, alguns passaram a me chamar de Pingo mesmo, até o dia em que um humano pequeno e folgado me tirou da gaiolinha em que me deixavam e começou a me apertar. Aí eu mordi ele com meus dentinhos que começavam a não doer mais. Passaram a olhar para mim e me chamar de Feroz, Esquentado ou Fera. Eu gostava mais de Pingo mesmo, mas ninguém me apertou de novo daquele jeito e me davam comida sempre, então tudo bem.
Dessa época que passou há muito tempo eu me lembro só disso.
Sei que teve um grupo de humanos que cuidava de mim depois daquela gaiola. Eles eram bons, mas nunca mais vi nenhum deles.