Certa vez, no intervalo de uma
aula para outra, sentados em um dos vários bancos do arborizado campus, eu e
Jeremias conversávamos.
– Se você parar pra pensar –
dizia ele –, hoje em dia as produções andam muito mais caprichadas...
– É... – minhas ponderações daquele
momento não acrescentavam muita informação relevante ao raciocínio. Me limitava
a concordar.
– Sabe o que eu digo. Não é que
não existissem séries boas antes. Mas hoje parece que há um apelo muito forte
ao formato. Muitos astros do cinema estão protagonizando ou participando de
séries.
Estávamos sentados na sombra
que, agradecidos, encontramos naquela manhã sonolenta. Apesar de não fazer
muito calor, o sol estava cruel para quem ficasse por muito tempo exposto à sua
influência.
O assunto em pauta era
entretenimento em geral, um de nossos debates mais comuns. Falávamos de tudo um
pouco, e muito disso. Nada em especial, porém, nesta ocasião. Todo o clima
contribuía para uma boa cochilada na próxima aula que, certamente, seria um
suplício, ainda mais para um ser humano nas condições de atenção que eu detinha
naquele instante.
Pessoas iam e vinham aos
montes.
Jovens, pessoas mais velhas,
gordos, magros, altos, baixos, exóticos, o pessoal da moda, a galera das bikes.
Todos querendo fugir daquele sol. E eu estava lá, não pensando em mais nada
além da minha cama aconchegante e perfeita que, ainda naquela manhã, fora
irremediavelmente abandonada por um ‘eu’ completamente descontente com este
fato.
– ... mas a mídia, cara, não
deixa dúv... – Jeremias falava qualquer coisa quando percebeu que eu não
prestava atenção nenhuma no que ele estava dizendo.
Guardei meu silêncio, cada vez
mais esparramado no banco. O lutador vencido pelo sono. Nem a cafeína ajudaria.
Pó de guaraná, Red Bull, açaí, uma injeção de adrenalina. Nada disso. Eu era o
sonífero ambulante. Um ser zumbificado e desatento.
– Cara, cê tá uma pilha de
merda – Jeremias, obviamente, percebeu minha condição. Com toda sua delicadeza
expôs bem sua constatação.
– Nada não... só estou... –
dizia enquanto bocejava mais uma vez – precisando de uns minutinhos de...
Ele me olhava, esperando a
conclusão. Não me veio nada, e desisti desta terrível batalha interna pela
busca de uma expressão que se adequasse da maneira devida ao meu estado de espírito.
– Olha, bicho... vou lá para
dentro – disse Jeremias enquanto se levantava e iniciava a marcha à sala de
aula.
– Vai lá, vai lá... já te
alcanço.
Observei. Meu amigo caminhava
em seu ritmo normal, sem demonstrar sinal algum de cansaço. Por que eu era
assim? Muitos reclamavam de sono também. Mas eu me sentia como se fosse dormir
cansado e acordasse depois mais cansado ainda e isso durasse simplesmente o dia
todo. Incrível. Trágico.
Reunindo toda a força que me
restava e buscando um pouco mais que eu nem sabia que existia, me levantei e
segui o exemplo de Jeremias, me lançando àquele sol de manhã sem nuvens que me
recebia no trajeto rumo às edificações da faculdade. E o pior de tudo é que eu
sabia que no dia de amanhã e no posterior eu ainda estaria assim.
No meio de meu lento e doloroso
caminho, olhei para o céu e avistei dois dos urubus que sempre sobrevoavam calmamente
por aquelas bandas. E foi assim que me veio, num primeiro (e único) lampejo meditativo
do dia, a seguinte constatação: “enquanto
alguns se apressam, outros somente esperam com paciência até aqueles primeiros não
aguentarem mais correr”. Lancei mais um olhar para cima e encontrei de novo
um dos dois bichos pretos e compridos, agora planando bem acima da minha cabeça.
“Hoje não, mermão”, disse pra ele.
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