Me chamavam de Pinguinho. Mas
isso era no começo. Eu era bem pequeno, muito menor do que hoje, não sabia nem
levantar a perna na hora de me aliviar. Aí, quando eu cresci, alguns passaram a
me chamar de Pingo mesmo, até o dia em que um humano pequeno e folgado me tirou
da gaiolinha em que me deixavam e começou a me apertar. Aí eu mordi ele com
meus dentinhos que começavam a não doer mais. Passaram a olhar para mim e me
chamar de Feroz, Esquentado ou Fera. Eu gostava mais de Pingo mesmo, mas
ninguém me apertou de novo daquele jeito e me davam comida sempre, então tudo
bem.
Dessa época que passou há muito
tempo eu me lembro só disso.
Sei que teve um grupo de
humanos que cuidava de mim depois daquela gaiola. Eles eram bons, mas nunca
mais vi nenhum deles.
Hoje eu não tenho casa e moro
em um espação grande e cheio de coisas. Cheio daquelas caixas brilhantes que
fazem muito barulho e têm rodas que se movem tão rápido que eu não consigo alcança-las
nunca. Sei que preciso tomar cuidado, porque um dia vi uma delas passar em cima
do Coleira e essa foi a última vez que eu o vi. Acho que o Coleira não estava
bem e não aguentou.
Mas o espação tem mais coisas.
Tem humanos de todos os jeitos
e máquinas de todo tipo. E muitas rodas. E luzes. E cheiros. E lugares para eu
correr. E lugares para me aliviar.
Olha! Um poste novo! E já tem
cheiro de outro macho. Vou me aliviar aqui e ele vai ver só...
Bem. Onde eu estava mesmo? Ah,
sim, o meu quintal grandão. Ele não tem nenhuma grade que me impeça de correr e
passear. O ruim mesmo, hoje em dia, é a falta de comida. E os humanos, que na
maioria, olham para mim e me chamam bravos de “vira-latas”. Olha, não é sempre
que eu mexo com latas, então não sei o porquê disso. Parece que sou menos que
os outros, porque comigo eles ficam bravos. Vai entender esses bichos.
Eu vivo sozinho. Apesar de
algumas vezes eu ver colegas, conhecidos peludões e mal-encarados e
cachorrinhas bem arrumadinhas e cheirosas passando em coleiras brilhantes, eu
sei que vivo e estou sozinho. Isso é triste. Eu gosto de brincar, de atenção,
de comer bem. Eu gosto de alguns dos humanos que são legais. Meu rabo – que eu
tenho certeza absoluta ter vida própria – se mexe sem parar quando vejo um
deles. Mas no final, estou sempre sozinho.
Existem muitos humanos que
também não voltam para casa nenhuma quando fica escuro e dormem no mesmo lugar
que eu. Eu tenho os pelos um pouco enrolados e não muito curtos e nem compridos
e não sou limpinho, mas faço o que posso. Só que esses humanos são diferentes
de mim e dos outros humanos. Eles têm os pelos muito longos e são bastante
sujos. Mas são legais. Não têm quase nada, mas me ajudam sempre que dá. Alguns deles
me chamam de Fazendeiro.
Durante o dia, eu exploro todos
os lugares que posso. Sou curioso, apesar de cuidadoso. Ando pelos espaços que
conheço e onde sei que posso ganhar algum pedaço de alguma coisa para comer,
passeio pela grama, cheiro, cavo, corro, persigo gatos e passarinhos, conheço
coisas novas. Ruim é quando cai água do céu. Aí preciso ficar encolhido ou
escondido debaixo de alguma coisa que me proteja.
Toda noite preciso encontrar um
lugarzinho para dormir. Quando tá quente, tudo bem, é mais fácil. O ruim é
quando está frio. Às vezes, alguns humanos que também dormem no espaço grandão espalhados
pela grama, pelo piso duro de pedra (não sei qual nome os humanos dão para
isso) ou encostados em árvores e paredes, me dão pedaços de roupas para me
ajudar a ficar quentinho.
Eles são legais, mas vejo que
sofrem mais do que eu. Teve uma noite que eu assisti quietinho enquanto um
humano alto e desengonçado veio e se aliviou em uma árvore e acabou molhando um
destes humanos que não têm casa e dormia encostado ali. Ainda bem que ninguém
faz isso comigo.
Eu posso dizer que não sou
feliz, porque não queria ser tão sozinho. Trocaria todo esse espação sem
limites por um espaço menorzinho e fechado, mas onde cuidassem de mim certinho,
onde humanos cuidadosos e amorosos fossem sempre legais comigo. Talvez algum
dia.
Olha! Um poste novo! E já tem
cheiro de outro macho. Vou me aliviar aqui e ele vai ver só...
Nenhum comentário:
Postar um comentário