quinta-feira, 26 de junho de 2014

Bosta de passarinho

Todos os dias, Júlio se deparava com sujos desafios em sua rotina de trabalho.
Gostava de falar para os amigos que era empregado no ramo da “purificação automobilística”; que “a boa aparência dos carrões na rua são por minha causa”.
Júlio estava desempregado até três semanas atrás. Tinha duzentas contas para pagar, e o número de cobranças em outros campos também não deixava a desejar. Aluguel quatro meses atrasado. O telefone já não tocava há quase um ano – Júlio deixara com que fosse cortado. Buscava justificar dizendo que era melhor assim, porque teria mais paz em casa.
A casa de Júlio tinha um sofá-cama quebrado, uma televisão que, com o Bombril na antena, só pegava três canais, um fogão quatro bocas (somente duas funcionavam) e uma geladeira. Só.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

A barata

Noite escura e gélida de outono, onde o vento castiga de maneira implacável os incautos que se aventuram, por algum motivo, a andar pelas ruas. Noite daquelas onde o mais simples atendimento a uma necessidade emergente do corpo é extremamente complicado ante à possibilidade de se manter aquecido debaixo das cobertas. Noite onde os sádicos espíritos da tristeza fria e inalterável de um clima que castiga até mesmo os que se encontram mergulhados em sono profundo se encontram todos reunidos em uma verdadeira roda de chacota aos sentimentos e percepções humanas.
Noite fria.

domingo, 22 de junho de 2014

Apêndice 1

Caía a chuva nos destroços. Francisco tentava entender de forma mais clara os acontecimentos recentes que se sucederam. O temor ainda pulsava em seu peito. A dor era excruciante e, apesar de ter consciência de que chovia, não conseguia enxergar absolutamente nada.
Não esperava por uma ligação. Era a parte da manhã ainda, período onde a pressa era inimiga de qualquer atividade rotineira de Chico. Nunca esperaria por uma ligação àquela hora do dia.

sábado, 21 de junho de 2014

Sexta-feira

Mais um dia se passa na velocidade da luz, mais uma noite ele se encontra em sua cozinha, com a geladeira aberta, em uma minuciosa, atenta e esperançosa averiguação no conteúdo do aparelho.
Seu gato, esfomeado, miava escandalosamente, olhando-o com os olhos azuis severos, como se a sua tigela se encontrar cheia fosse somente uma questão de tempo.
Para falar bem a verdade, aquele folgado daquele gato não estava esfomeado coisa nenhuma. Era mais um dos Sete Pecados Capitais, que tomava conta do bicho dia e noite: a gula. Aliás, o bichano comia melhor do que o próprio dono.

Duelo ao meio-dia

O vento batia violentamente em sua capa, como em um daqueles dias onde a noite rapidamente chegaria em meio à tempestade do crepúsculo que se aproxima ao sudoeste.
O sol, à pino, demonstrava que o dia ainda seria longo.
Para um deles, não. O dia acabaria ali, naquele momento. Em questão de minutos. Para um deles, o sol não brilharia mais, a vida não existiria mais.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

O menino e o mar

Um pequeno garoto, que vivia numa cidade praiana, ia à beira do mar todos os dias para observar as ondas quebrando adiante.
Não entendia muito bem como funcionava a física envolvida no processo, mas sempre se encontrava obediente e fascinado em suas rotineiras admirações ao extenso e infindável oceano.
O menino, muito magro e miúdo, era um sonhador que, com seus 1 metro e 30 de altura, não deixava suas fantasias mais distantes serem abaladas pelas dores que, tão pequeno, já sofrera. Perdera o pai cedo e a mãe, se desdobrando em mais de um trabalho para manter a dignidade do lar, não conseguia dar a atenção necessária para um imaginativo garoto de 8 anos de idade.