Caía a chuva nos
destroços. Francisco tentava entender de forma mais clara os acontecimentos
recentes que se sucederam. O temor ainda pulsava em seu peito. A dor era
excruciante e, apesar de ter consciência de que chovia, não conseguia enxergar
absolutamente nada.
Não esperava por uma
ligação. Era a parte da manhã ainda, período onde a pressa era inimiga de
qualquer atividade rotineira de Chico. Nunca esperaria por uma ligação àquela
hora do dia.
Costumava iniciar
seus trabalhos após o almoço. Era um autônomo, advogado bem encaminhado que era
único dono de seu escritório. Fazia seu próprio horário e, por isso, tirava
suas manhãs para seus exercícios físicos, meditação e estudos leves. Não
gostava de agitação alguma, muito menos de imprevistos, pela parte da manhã.
Aquele dia havia
começado bonito. Uma bela quinta-feira de outubro, onde o plano inicial de
Francisco era nada mais do que uma caminhada no parque mais próximo de sua
casa. Já não fazia mais frio como nos meses anteriores, de forma que a
caminhada seria uma boa pedida para o aquecimento e resistência corporal pelos
quais Francisco ansiava. Pretendia, ao chegar em casa, já ir preparando seu
almoço, pois acordara um tanto quanto tarde – mesmo para seus padrões
independentes de horário fixo.
Não possuía o corpo
atlético, mas também não estava fora de forma. Tinha uma boa postura, se
portava bem e tentava nunca se sentar ou posicionar de mal jeito. Na cabeça, os
cabelos que outrora foram vastos e bem avolumados, hoje encontram-se mais ralos,
porém, ainda com presença forte. Seus olhos castanhos sempre traziam a alegria
de um homem que busca sempre ver algo de bom em qualquer coisa que aconteça.
Mesmo nas investidas irônicas que a ex-mulher lhe dava toda vez que se
encontravam no elevador do prédio onde morava. A relação entre os dois era,
todavia, aceitável e, de certa forma, pacífica.
Resolveu pegar as
escadas. Até o seu décimo-primeiro andar seria uma bela subida e, em
consequência, uma bela forma de se encerrar as atividades físicas do dia. E
assim foi, escadaria acima.
Francisco nunca veria
aquela ligação que estava recebendo. Nunca esperaria, pois, por uma ligação
àquela hora do dia. Deixara o celular em seu apartamento, descrente de que o
aparelho iria lhe prestar para algum uso durante seus exercícios. O celular
tocava pela oitava vez em quinze minutos, de forma insistente, enquanto
Francisco encontrava-se já no lance de escadas do terceiro andar.
Estava tão alheio com
seus pensamentos distantes, já focados em seus prazos a cumprir, peças a
produzir e também no que iria cozinhar, que não percebeu que a luz de fora
havia sido drasticamente alterada, do belo sol que brilhava para um assombroso
e nebuloso cinza escuro. Francisco somente ouvia.
Ouvia o som de sua
própria respiração, somado às passadas ritmadas de seus pés que subiam
incansavelmente os degraus.
E, então, não ouviu
mais nada. E ouviu tudo.
Ouviu o estrondo
ensurdecedor. Ouviu o estilhaçar das vidraças. Ouviu o concreto sendo
despedaçado, ouviu o baque seco produzido pelas paredes ao se romperem brusca e
inesperadamente.
Sentiu o teto cair
sobre sua cabeça, sentiu o chão ser partido em dois e se abrir aos seus pés.
Sentiu a terrível dor da primeira pancada dos destroços que recebeu no lado
esquerdo do corpo. Francisco sentiu o gosto de sangue surgir rapidamente à boca
já na primeira pancada.
Não soube o que
estava acontecendo, pois toda essa miscelânea de sentimentos se sucedeu em
questão de um ou dois segundos.
O prédio literalmente
desabou. Fora atingido por algo e agora estava caindo, levando tudo e todos
consigo. Não havia maneira alguma, para os que ali dentro estavam, de sair
neste momento. O golpe fora tão rápido que mal tiveram os habitantes do
Residencial Monte Negro tempo para raciocinar o que estava se passando. E Chico
era um deles: acometido pelo malfadado e desconhecido incidente, fora carregado
junto com tudo o que um dia fora sua moradia para baixo. Os destroços eram uma
mistura caótica de ferros distorcidos, cimento quebrado, pedaços de paredes e
muitos outros elementos irreconhecíveis sob a poeira que se erguera.
Chovia.
Francisco, em meio à
devastação, mal teve tempo de tentar apreender o que se passara. Não conseguia
reunir em sua memória fragmento algum capaz de explicar o incidente. Somente
ouvira o estouro, o terrível e irreproduzível ruído que precedera a destruição
e o caos total.
Era tudo ruína.
Francisco já não pensava em mais nada. Sentia o sangue escorrendo, não conseguia
se mover de jeito nenhum.
Francisco deveria ter
atendido aquela ligação.
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