domingo, 22 de junho de 2014

Apêndice 1

Caía a chuva nos destroços. Francisco tentava entender de forma mais clara os acontecimentos recentes que se sucederam. O temor ainda pulsava em seu peito. A dor era excruciante e, apesar de ter consciência de que chovia, não conseguia enxergar absolutamente nada.
Não esperava por uma ligação. Era a parte da manhã ainda, período onde a pressa era inimiga de qualquer atividade rotineira de Chico. Nunca esperaria por uma ligação àquela hora do dia.
Costumava iniciar seus trabalhos após o almoço. Era um autônomo, advogado bem encaminhado que era único dono de seu escritório. Fazia seu próprio horário e, por isso, tirava suas manhãs para seus exercícios físicos, meditação e estudos leves. Não gostava de agitação alguma, muito menos de imprevistos, pela parte da manhã.
Aquele dia havia começado bonito. Uma bela quinta-feira de outubro, onde o plano inicial de Francisco era nada mais do que uma caminhada no parque mais próximo de sua casa. Já não fazia mais frio como nos meses anteriores, de forma que a caminhada seria uma boa pedida para o aquecimento e resistência corporal pelos quais Francisco ansiava. Pretendia, ao chegar em casa, já ir preparando seu almoço, pois acordara um tanto quanto tarde – mesmo para seus padrões independentes de horário fixo.
Não possuía o corpo atlético, mas também não estava fora de forma. Tinha uma boa postura, se portava bem e tentava nunca se sentar ou posicionar de mal jeito. Na cabeça, os cabelos que outrora foram vastos e bem avolumados, hoje encontram-se mais ralos, porém, ainda com presença forte. Seus olhos castanhos sempre traziam a alegria de um homem que busca sempre ver algo de bom em qualquer coisa que aconteça. Mesmo nas investidas irônicas que a ex-mulher lhe dava toda vez que se encontravam no elevador do prédio onde morava. A relação entre os dois era, todavia, aceitável e, de certa forma, pacífica.
Resolveu pegar as escadas. Até o seu décimo-primeiro andar seria uma bela subida e, em consequência, uma bela forma de se encerrar as atividades físicas do dia. E assim foi, escadaria acima.
Francisco nunca veria aquela ligação que estava recebendo. Nunca esperaria, pois, por uma ligação àquela hora do dia. Deixara o celular em seu apartamento, descrente de que o aparelho iria lhe prestar para algum uso durante seus exercícios. O celular tocava pela oitava vez em quinze minutos, de forma insistente, enquanto Francisco encontrava-se já no lance de escadas do terceiro andar.
Estava tão alheio com seus pensamentos distantes, já focados em seus prazos a cumprir, peças a produzir e também no que iria cozinhar, que não percebeu que a luz de fora havia sido drasticamente alterada, do belo sol que brilhava para um assombroso e nebuloso cinza escuro. Francisco somente ouvia.
Ouvia o som de sua própria respiração, somado às passadas ritmadas de seus pés que subiam incansavelmente os degraus.
E, então, não ouviu mais nada. E ouviu tudo.
Ouviu o estrondo ensurdecedor. Ouviu o estilhaçar das vidraças. Ouviu o concreto sendo despedaçado, ouviu o baque seco produzido pelas paredes ao se romperem brusca e inesperadamente.
Sentiu o teto cair sobre sua cabeça, sentiu o chão ser partido em dois e se abrir aos seus pés. Sentiu a terrível dor da primeira pancada dos destroços que recebeu no lado esquerdo do corpo. Francisco sentiu o gosto de sangue surgir rapidamente à boca já na primeira pancada.
Não soube o que estava acontecendo, pois toda essa miscelânea de sentimentos se sucedeu em questão de um ou dois segundos.
O prédio literalmente desabou. Fora atingido por algo e agora estava caindo, levando tudo e todos consigo. Não havia maneira alguma, para os que ali dentro estavam, de sair neste momento. O golpe fora tão rápido que mal tiveram os habitantes do Residencial Monte Negro tempo para raciocinar o que estava se passando. E Chico era um deles: acometido pelo malfadado e desconhecido incidente, fora carregado junto com tudo o que um dia fora sua moradia para baixo. Os destroços eram uma mistura caótica de ferros distorcidos, cimento quebrado, pedaços de paredes e muitos outros elementos irreconhecíveis sob a poeira que se erguera.
Chovia.
Francisco, em meio à devastação, mal teve tempo de tentar apreender o que se passara. Não conseguia reunir em sua memória fragmento algum capaz de explicar o incidente. Somente ouvira o estouro, o terrível e irreproduzível ruído que precedera a destruição e o caos total.
Era tudo ruína. Francisco já não pensava em mais nada. Sentia o sangue escorrendo, não conseguia se mover de jeito nenhum.
Francisco deveria ter atendido aquela ligação.

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