Mais um dia se passa
na velocidade da luz, mais uma noite ele se encontra em sua cozinha, com a
geladeira aberta, em uma minuciosa, atenta e esperançosa averiguação no
conteúdo do aparelho.
Seu gato, esfomeado,
miava escandalosamente, olhando-o com os olhos azuis severos, como se a sua
tigela se encontrar cheia fosse somente uma questão de tempo.
Para falar bem a
verdade, aquele folgado daquele gato não estava esfomeado coisa nenhuma. Era
mais um dos Sete Pecados Capitais, que tomava conta do bicho dia e noite: a
gula. Aliás, o bichano comia melhor do que o próprio dono.
Assim como naquela
noite. Ou talvez não, se o seu escrutínio noturno obtivesse algum êxito.
Todavia, esta era uma verdadeira ilusão.
Pois, finalmente, não
foi preciso muito mais tempo para ele se conformar. Com a lâmpada da geladeira
aberta ainda a iluminar seu magro rosto, ele foi acometido pela brilhante ideia
de acionar algum serviço de disk-entrega. Por que não? Sexta-feira à noite,
sozinho com o gato-folgado-mandão-miador, a pedida era realmente pedir alguma
coisa.
Sentou no sofá todo
arranhado com o celular em mãos.
Procurava, na
internet, por algum destes lugares onde a entrega seria ligeira e o preço o
mais suave possível. Enquanto sua busca rumava para seu próprio norte, o gato,
vencido pelo vácuo que recebeu na ausência de resposta do dono aos seus miados
insistentes, se apercebeu que não estava realmente com fome e foi se deitar
próximo daquele humano esquisito que limpava suas sujeiras.
Pizzaria. Número
tal-tal-tal-tal, 9-7-tal-tal. Opções. Sem borda recheada. Grátis? Manda ver.
Certo.
A previsão anunciada
pela atendente para a pizza chegar foi de 55 minutos. Engraçado que essas
previsões geralmente falham para algo em torno de dois terços a mais. Raramente
a menos. Isso só acontecia quando a fome não era tão grande. Se fosse grande,
como no caso dele, a previsão se tornaria uma aposta muito otimista –
infelizmente.
Ligar a televisão,
então.
O repentino ruído
levantou a orelha esquerda do gato, que neste momento já se encontrava com os
olhos fechados, num repouso que faria qualquer portador de insônia se roer de
inveja.
Ele, um gato manhoso,
a televisão sintonizada em qualquer um destes canais com alguma maratona de
séries e, em breve, a tão aguardada pizza. Apesar de conservador, este cenário
não lhe era negativo. Pelo contrário: ele gostava do bom repouso oferecido pela
própria morada. Seu castelo particular, sua fortaleza inquebrantável, seu
palacete urbano. Preferia imaginar assim.
Então, notou que já
se encontrava completamente alheio ao que estava passando na televisão e ao
gato que, agora, olhava-o novamente, pois ele não parava de se mexer no sofá.
Pensamentos viajavam em sua mente.
Se deu conta de que
já havia vencido 37 minutos de espera. Uma questão de minutos, certamente.
Pela ansiedade que
sentia, causada pela fome, mesclada com a fadiga que começava a tomar conta de
seu corpo de forma mais efetiva, só conseguia vislumbrar uma certeza
inexorável: assim que seu alimento chegasse, iria acabar levando ao pé da letra
o dito popular “a noite é uma criança”, pois seu sono viria cedo da
mesma forma que geralmente acontece aos infantes.
“Putz!”, pensou,
“esqueci de pedir troco para 50!”
Lembrei do Garfield e seu dono.
ResponderExcluirVerdade, Vera. Mas acho que todo gato tem um Garfield dentro de si...
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