quinta-feira, 31 de julho de 2014

Território de um tirano felino

Ai de quem se aproximasse demais daquele banco branco dele quando ele estivesse lá deitado. Aqueles grandes olhos azuis brilhariam de ameaça e disparariam contra o invasor ondas quentes de advertência: nem mais um passo, humano tolo.
Quando cheguei perto dele naquela noite em que na poltrona branca ele deitava adormecido, pude notar sua atenção despertada pela minha presença.
A orelha direita se ergueu num movimento do mais puro reflexo e alerta, e tenho certeza que ele soube que não estava sozinho e que seu trono de couro furado e arranhado estava sendo objeto de cobiça.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Um chamado do caçador

Sentia o frio congelante da noite fazendo seu corpo tremer. Absorvia mais do que nunca aquela atmosfera gélida de desolada escuridão fria e arrebatadora que envolvia seu ser.
Caminhando por um bosque escuro e enevoado, cheio de árvores de copas altas e troncos largos, ele não enxergava nada além de solidão. A grama sob seus pés era fria, úmida e escorregadia. Seu coração batia frenético no peito, enquanto a mente, num turbilhão de pensamentos diversos, buscava um significado para aquele momento.
Foi quando ouviu um chiado baixo.

terça-feira, 22 de julho de 2014

Relato de um acadêmico

“17 de outubro de 1987.

Caros amigos, colegas de classe e familiares,

O motivo que originou esta carta é que finalmente me deparei com um momento crucial no meu curso de graduação, momento este que eu sinceramente gostaria de adiar o máximo possível ou até mesmo nunca vivenciar.
Sou praticamente obrigado, por força de uma necessidade de uma matéria importantíssima, a me encaminhar às entranhas da grande biblioteca do campus. E este é o meu grande problema. Explico.

domingo, 20 de julho de 2014

A madrugada silenciosa

Eu não conseguia dormir naquela noite chuvosa. A cabeça deitada no travesseiro não fazia efeito algum. Os olhos, que se fechavam num movimento automático, também não eram capazes de me arrastar aos reinos do sonhar. Meu corpo, em desesperadas tentativas de encontrar uma posição mais confortável, acabava por inutilmente se debater indefinidamente e rolar pela cama de forma infrutífera.
Considerava essa uma das piores sensações que já experimentei até aquele momento. A de rolar na cama sabendo que precisa e quer dormir, mas ver todos os esforços de cortejar uma bela noite de descanso não trazerem nada mais do que maiores frustrações.
Após um longo tempo que me pareceu uma eternidade deitado procurando pegar no sono, escutei ruídos de objetos sendo arrastados no andar de baixo da casa. Duas vozes que começaram a se inflamar me prendiam ainda mais no plano da consciência e acabavam por me despertando também uma certa curiosidade. Eu sabia que se tratavam das vozes do meu pai e do sócio dele. Discutiam negócios, a princípio. Pelo menos, era o que eu imaginava, pois os ânimos aparentavam residir em outro nível neste momento.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

um pulo até ali

um pouco mais de café e
poderei pensar em alguma
maneira de fazer aquilo que
é preciso;
levantar com calma e
cuidado,
tirar a roupa devagar
entrar em baixo do
chuveiro e
lavar as
feridas.
elas reclamam, gritam, doem,
mas as danadas precisam
disso.
então, um pouco mais de
café.
o sabonete não vai se passar
sozinho.

domingo, 13 de julho de 2014

O hospital ao cair da noite

Despertou cedo e logo se encaminhou ao seu compromisso urgente. Aquilo não poderia esperar mais. Era uma situação dantes adiada, mas agora precisava resolvê-la de uma vez por todas.
Atendeu às exigências burocráticas requisitadas pelo hospital e foi encaminhado ao seu local específico à espera da operação que se sucederia. Não sentia nervosismo. Queria, porém, passar pelo procedimento adormecido, sem precisar vivenciar a apreensão de acompanhar desperto a cirurgia que, apesar de simples, passaria aos seus olhos e percepção tão veloz quanto os passos de uma tartaruga.
Seu íntimo desejo foi realizado. Foi induzido ao cochilo e mal viu o tempo passar.

sábado, 5 de julho de 2014

O sequestro bizarro

Ainda meio zonzo, ele acordou em um ambiente completamente desconhecido. Sentiu a cabeça inchada, com algo meio grudado – o que julgou ser o próprio sangue seco. Supunha que tenha tomado uma forte pancada, pois restara evidente que estava desacordado há pelo menos duas horas.
Estéban não compreendia o porquê disso tudo. Só se lembrava de ter ido assistir ao jogo da Copa do Mundo num bar perto do estádio em Fortaleza. O jogo era Brasil contra Colômbia. Se lembrava de ter ido vestido à caráter, com o uniforme de seu time – Colômbia. Viu sua seleção perder por 2 a 1. Não recordava de mais nada.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Aquele tempo que foi e que vai

E disse aquele poeta amargurado
Que de tanto já desiludido
Bradava com o peito inchado
O acaso por ele sabido

Dizia que o tempo há de chegar
Em que o homem não mais poderá
Tentar a todo momento controlar
O próprio tempo e assim perceberá
Que este mesmo tempo um dia acabará