sábado, 5 de julho de 2014

O sequestro bizarro

Ainda meio zonzo, ele acordou em um ambiente completamente desconhecido. Sentiu a cabeça inchada, com algo meio grudado – o que julgou ser o próprio sangue seco. Supunha que tenha tomado uma forte pancada, pois restara evidente que estava desacordado há pelo menos duas horas.
Estéban não compreendia o porquê disso tudo. Só se lembrava de ter ido assistir ao jogo da Copa do Mundo num bar perto do estádio em Fortaleza. O jogo era Brasil contra Colômbia. Se lembrava de ter ido vestido à caráter, com o uniforme de seu time – Colômbia. Viu sua seleção perder por 2 a 1. Não recordava de mais nada.
Acordou com forte dores de cabeça. Com a visão ainda um tanto quanto turva, avistou seus dois captores. Conversavam entre si em um dialeto que Estéban não conseguia decifrar mas que, se conseguisse, soaria mais ou menos assim:
– Nóssa manolo. Quê quê nóis fizemo?
– Mai num se afrescalhe nãm, meu fí. O qui tá feitu tá feitu.
– Mais ôh, me fala uma coisa...
– U quê.
– Na têve falava que não era o cara do outro time que quebrou o do nósso?
– Mai é clarividenti meu nêgo. Óubiviu. Comu tu é burro.
– Acalma a xana aí, Fassonildu.
– Escute aqui bichin...
– Ôpa calmaê manolo! O nego tá acordano! Põe us gorro, põe us gorro...
Estéban, enxergando um pouco mais nitidamente, pôde distinguir as duas exóticas figuras. Uma delas, o tal de Fassonildu, era o mais alto e se vestia de modo bem peculiar. Usava calças jeans claras, com uma camiseta preta agarrada ao corpo de sobremaneira que os mamilos do sequestrador se mostravam completamente salientes. Pelos brotavam da gola da camiseta em abundância. Tinha as mãos calejadas – sabe-se lá o motivo disso – e carregava uma pesada baqueta de aço na mão esquerda – provavelmente o instrumento usado para desmaiar o sequestrado. Os pelos em fartura, somados à vasta barba que era visível até o homem vestir um capuz que cobria sua cabeça inteira e ao fato de o sequestrador manter um porte um tanto quanto suspeito, despertava em Estéban sérias dúvidas acerca da futura integridade física total de seu corpo no que concerne às partes onde o sol não encontra luz.
Agora, o outro homem causava mais medo em Estéban. Ou homenzinho, como bem se pode interpretar. Tinha um metro e cinquenta de altura, mas não por isso era menos assustador. Possuía um tronco muito largo, com ombros estranhamente fortes e um braço direito visivelmente mais musculoso do que o esquerdo. Passava uma impressão atlética, de pessoa que malha todos os dias e luta mais de uma modalidade marcial, tais quais taekwondo e jiu-jitsu. Sua maneira de se vestir era ainda mais exótica que a do outro homem: usava uma calça jeans descolorida e toda estilizada, com um tênis multicolorido e uma camiseta do River Plate. Estéban conhecia o River Plate. E sabia que não estava nada seguro com aquelas duas pessoas à sua frente.
Tentou estabelecer um contato, mas recebeu um novo golpe da baqueta de aço, desta vez na boca do estômago. Perdeu o ar.
– Não si aporrinhe nãm, bichin!
– Pior!
– Apôi nói vãmo ti dá uma carramaçada nus mêi di tuas fuça!
– Né!
– Tu si prepara qui as carpanada vão sê bruta!
– Pior!
Sentindo o clima de ameaças no ar, apesar de não entender absolutamente nada do que os dois homens diziam, Estéban tentou estabelecer um diálogo.
¡Hola!
– Apôi veja só, Róbitilson – exclamou Fassonildu, enquanto desferia novo golpe no pobre Estéban com sua maligna baqueta de aço. – Agóra dêu pá falá coisa desavergonhada pá nóis! Mai tómi porrada bichin!
– Vô dá um jiu nele, manolo... – Róbitilson, com seus nervos à flor da pele, não conseguia mais suportar a espera.
Estéban, a esta altura do campeonato, com as mãos atadas às costas, não sabia mais o que esperar. Resolveu guardar silêncio pois percebeu que, da mesma forma que não entendia o exótico linguajar de seus captores, eles não compreendiam o que ele tentava dizer, e isso poderia lhe causar problemas maiores.
– Quêbrô Neymar, né bichin! Mai tu vai vê só... vamo ti insina umas lição!
– Né!
– Mai... Róbitilson... avêja só uma côisa... as pérninha dêli... são miudinha...
– Pior.
– Róbitilson... i as côxa deli, óia só... mirradinha...
– Pior.
– I eli nãm é muscusudo nem nada... pá quebra daquêli jeito...
– Manolo...
– I eli tá mei diférenti, acho, du cába qui nóis viu na tevêlisão... i essi aqui num aparece di sê jogadô di futebor nãm...
Neste momento, Róbitilson deu um passo para trás, assustado. Começou a suar frio, imaginando o tamanho da encrenca que tinham arrumado. Um erro tão crucial, tão infantil. Mas na cabeça dele, ainda era perfeitamente plausível que o jogador, logo após o jogo, tenha dado um pulinho no bar ao lado do estádio para tomar uma. E ele estava com a camisa da Colômbia, ora bolas. Não podia ser outro. Ou podia? Será que eles...
– Róbitilsu.
– Chora.
– Achu qui sequêstramo u cábra errado.

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