Ainda meio zonzo, ele acordou em um
ambiente completamente desconhecido. Sentiu a cabeça inchada, com algo meio
grudado – o que julgou ser o próprio sangue seco. Supunha que tenha tomado uma
forte pancada, pois restara evidente que estava desacordado há pelo menos duas
horas.
Estéban não compreendia o porquê disso
tudo. Só se lembrava de ter ido assistir ao jogo da Copa do Mundo num bar perto
do estádio em Fortaleza. O jogo era Brasil contra Colômbia. Se lembrava de ter
ido vestido à caráter, com o uniforme de seu time – Colômbia. Viu sua seleção
perder por 2 a 1. Não recordava de mais nada.
Acordou com forte dores de cabeça. Com
a visão ainda um tanto quanto turva, avistou seus dois captores. Conversavam
entre si em um dialeto que Estéban não conseguia decifrar mas que, se
conseguisse, soaria mais ou menos assim:
– Nóssa manolo. Quê quê nóis fizemo?
– Mai num se afrescalhe nãm, meu fí. O
qui tá feitu tá feitu.
– Mais ôh, me fala uma coisa...
– U quê.
– Na têve falava que não era o cara do
outro time que quebrou o do nósso?
– Mai é clarividenti meu nêgo. Óubiviu.
Comu tu é burro.
– Acalma a xana aí, Fassonildu.
– Escute aqui bichin...
– Ôpa calmaê manolo! O nego tá
acordano! Põe us gorro, põe us gorro...
Estéban, enxergando um pouco mais
nitidamente, pôde distinguir as duas exóticas figuras. Uma delas, o tal de
Fassonildu, era o mais alto e se vestia de modo bem peculiar. Usava calças
jeans claras, com uma camiseta preta agarrada ao corpo de sobremaneira que os
mamilos do sequestrador se mostravam completamente salientes. Pelos brotavam da
gola da camiseta em abundância. Tinha as mãos calejadas – sabe-se lá o motivo
disso – e carregava uma pesada baqueta de aço na mão esquerda – provavelmente o
instrumento usado para desmaiar o sequestrado. Os pelos em fartura, somados à
vasta barba que era visível até o homem vestir um capuz que cobria sua cabeça
inteira e ao fato de o sequestrador manter um porte um tanto quanto suspeito,
despertava em Estéban sérias dúvidas acerca da futura integridade física total
de seu corpo no que concerne às partes onde o sol não encontra luz.
Agora, o outro homem causava mais medo
em Estéban. Ou homenzinho, como bem se pode interpretar. Tinha um metro e
cinquenta de altura, mas não por isso era menos assustador. Possuía um tronco
muito largo, com ombros estranhamente fortes e um braço direito visivelmente mais
musculoso do que o esquerdo. Passava uma impressão atlética, de pessoa que
malha todos os dias e luta mais de uma modalidade marcial, tais quais taekwondo
e jiu-jitsu. Sua maneira de se vestir era ainda mais exótica que a do outro
homem: usava uma calça jeans descolorida e toda estilizada, com um tênis multicolorido
e uma camiseta do River Plate. Estéban conhecia o River Plate. E sabia que não
estava nada seguro com aquelas duas pessoas à sua frente.
Tentou estabelecer um contato, mas
recebeu um novo golpe da baqueta de aço, desta vez na boca do estômago. Perdeu
o ar.
– Não si aporrinhe nãm, bichin!
– Pior!
– Apôi nói vãmo ti dá uma carramaçada
nus mêi di tuas fuça!
– Né!
– Tu si prepara qui as carpanada vão sê
bruta!
– Pior!
Sentindo o clima de ameaças no ar,
apesar de não entender absolutamente nada do que os dois homens diziam, Estéban
tentou estabelecer um diálogo.
– ¡Hola!
– Apôi veja só, Róbitilson – exclamou
Fassonildu, enquanto desferia novo golpe no pobre Estéban com sua maligna
baqueta de aço. – Agóra dêu pá falá coisa desavergonhada pá nóis! Mai tómi
porrada bichin!
– Vô dá um jiu nele, manolo... –
Róbitilson, com seus nervos à flor da pele, não conseguia mais suportar a
espera.
Estéban, a esta altura do campeonato,
com as mãos atadas às costas, não sabia mais o que esperar. Resolveu guardar
silêncio pois percebeu que, da mesma forma que não entendia o exótico linguajar
de seus captores, eles não compreendiam o que ele tentava dizer, e isso poderia
lhe causar problemas maiores.
– Quêbrô Neymar, né bichin! Mai tu vai
vê só... vamo ti insina umas lição!
– Né!
– Mai... Róbitilson... avêja só uma
côisa... as pérninha dêli... são miudinha...
– Pior.
– Róbitilson... i as côxa deli, óia
só... mirradinha...
– Pior.
– I eli nãm é muscusudo nem nada... pá
quebra daquêli jeito...
– Manolo...
– I eli tá mei diférenti, acho, du cába
qui nóis viu na tevêlisão... i essi aqui num aparece di sê jogadô di futebor
nãm...
Neste momento, Róbitilson deu um passo
para trás, assustado. Começou a suar frio, imaginando o tamanho da encrenca que
tinham arrumado. Um erro tão crucial, tão infantil. Mas na cabeça dele, ainda
era perfeitamente plausível que o jogador, logo após o jogo, tenha dado um
pulinho no bar ao lado do estádio para tomar uma. E ele estava com a camisa da
Colômbia, ora bolas. Não podia ser outro. Ou podia? Será que eles...
– Róbitilsu.
– Chora.
– Achu qui sequêstramo u cábra errado.
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