“17
de outubro de 1987.
Caros
amigos, colegas de classe e familiares,
O
motivo que originou esta carta é que finalmente me deparei com um momento
crucial no meu curso de graduação, momento este que eu sinceramente gostaria de
adiar o máximo possível ou até mesmo nunca vivenciar.
Sou
praticamente obrigado, por força de uma necessidade de uma matéria
importantíssima, a me encaminhar às entranhas da grande biblioteca do campus. E
este é o meu grande problema. Explico.
Dizem
os relatos de poucos que a parte mais inferior da biblioteca diz respeito a um
grande galpão mal iluminado e completamente sinistro, tão grande quanto um
deserto e cheio de ramificações, como um labirinto cruel. Afirmam que trata-se
de um covil de confusão. Por lá, o mínimo detalhe desapercebido no trajeto pode
custar horas a fio perdido no emaranhado infernal de prateleiras que é aquela
soturna tumba do saber.
Ouvi
também que aquele lugar é um lugar mais do que simplesmente sombrio, onde a
atenção deve ser redobrada a cada esquina cruzada. Parece-me ser um recinto de
discórdia, melancolia e perdição, onde encontrar uma alma viva bem intencionada
seria como encontrar uma agulha em um quilométrico palheiro.
Isso
tudo nos leva a crer que é extremamente difícil se encontrar o livro ou
periódico que se quer localizar. Na verdade, o mais fácil nestas bandas
subterrâneas é perder o rumo e acabar por vagar sem direção e desnorteado, com
o coração inundado de desespero.
Contudo,
o pior ainda não narrei.
Presenciei
discursos temerosos e desamparados relatando que aqueles corredores sinistros
já engoliram três almas no passado. Simplesmente assim: três pobres jovens de
coração bom desapareceram e estão sumidos há muito tempo. Último destino sabido
deles? O mesmo local para o qual preciso me dirigir.
Ninguém
em sã consciência se atreve a descer nestas catacumbas literárias. Mas alguns
poucos que se aventuraram a ir a poucos metros após a escada que desce para lá
dizem que o próprio ambiente possui um clima sorumbático que chega a ser
palpável pela atmosfera esfumaçada do lugar. Afirmam também que na parede que
fica na outra extremidade em relação ao pé da escada, é possível visualizar
marcas de algum escrito antigo e macabro, como um grito de socorro e desespero,
marcado, ao que tudo indica segundo as descrições, por unhas humanas.
Poucos
que foram um pouco mais adiante neste lugar dizem que ao passar pela sessão de
livros sociológicos, que fica praticamente no hall de entrada do andar maldito,
é possível ouvir os sussurros desesperados e insistentes dos três que sumiram.
Os que presenciaram esta agonia são categóricos em afirmar que são três vozes
distintas que assombram aquela galeria moribunda. Juram que escutaram também,
destas vozes, apelos urgentes e choros baixinhos, num verdadeiro coro de
lamento sem fim.
Agora,
meus amigos, o relato mais espantoso e horrendo desta minha carta.
Tratam-se
dos dizeres alucinados e completamente mergulhados em temor do calouro de
psicologia de seis anos atrás, que se aventurou a adentrar o âmago da
biblioteca subterrânea.
Jurou
o garoto em profunda agonia que viu três vultos em um momento que pareceu o de
uma secreta e perigosa confabulação. Estavam há cerca de vinte metros dele e
eram verdadeiros espectros, que vestiam túnicas imaculadas que lhes desciam até
os calcanhares pálidos e tinham os cabelos prateados bem penteados para trás.
Vertendo
lágrimas incessantes, o pobre diabo afirmava gaguejando que o que mais o
amedrontou e o fez gelar até o âmago dos ossos foram os rostos das três
aparições, que de imediato se voltaram ameaçadores para ele quando notaram sua
presença.
Tinham
o rosto mais branco do que a neve, suas bocas eram finos traços abaixo do
nariz, eram magros como um esqueleto seco, e os olhos... os olhos. Aqueles
olhos carregavam um grande e amedrontador olhar de angústia horrenda. Eram
grandes bolas densas, fixas e negras como a mais escura noite, enfeitadas por
olheiras sombrias e profundas. Eram olhos da mais intensa e desesperadora
condenação e desolação, que amaldiçoavam de maneira assombrosa e indizível
aquele pobre rapaz. Eram olhos de morte.
O
estudante condenado conseguiu retornar para os níveis superiores em profunda
agonia, sendo encontrado desacordado e ensopado de suor. Seu nariz sangrava. É
evidente que este jovem nunca mais retornou à universidade após este episódio.
Se
todos estes relatos são reais ou não, eu não sei ao certo dizer. A única
verdade absoluta é que todos que passam perto das escadas que levam até lá
embaixo sentem o profundo clima de terror e apreensão que aqueles velhos corredores
subterrâneos transmitem. Pode-se afirmar categoricamente também que alguma
coisa está por lá, viva ou morta. Ou ambos.
Ora,
eu preciso desesperadamente deste livro específico. Já recorri à pesquisa em
inúmeras outras fontes: biblioteca municipal, bibliotecas de outras universidades e colégios, acervos em outros
locais. Mas ao que tudo indica o último exemplar existente desta obra antiga
está em uma das prateleiras obscuras e sinistras deste lugar de profunda inquietação.
Talvez
esta carta seja somente uma manifestação infantil e desnecessária de um jovem
amedrontado pelas histórias contadas por aí. Anseio com todas as minhas forças
que este seja o caso. Todavia, temo que tudo que foi dito seja verdade. Afinal,
o desconhecido mora ali naquelas galerias subterrâneas.
Espero
poder encontra-los logo mais.
Com
amor,
Nicholas
T. Bürder”
Último
registro conhecido do acadêmico Nicholas Theodore Bürder, desaparecido em 18 de
outubro de 1987.
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