terça-feira, 22 de julho de 2014

Relato de um acadêmico

“17 de outubro de 1987.

Caros amigos, colegas de classe e familiares,

O motivo que originou esta carta é que finalmente me deparei com um momento crucial no meu curso de graduação, momento este que eu sinceramente gostaria de adiar o máximo possível ou até mesmo nunca vivenciar.
Sou praticamente obrigado, por força de uma necessidade de uma matéria importantíssima, a me encaminhar às entranhas da grande biblioteca do campus. E este é o meu grande problema. Explico.
Dizem os relatos de poucos que a parte mais inferior da biblioteca diz respeito a um grande galpão mal iluminado e completamente sinistro, tão grande quanto um deserto e cheio de ramificações, como um labirinto cruel. Afirmam que trata-se de um covil de confusão. Por lá, o mínimo detalhe desapercebido no trajeto pode custar horas a fio perdido no emaranhado infernal de prateleiras que é aquela soturna tumba do saber.
Ouvi também que aquele lugar é um lugar mais do que simplesmente sombrio, onde a atenção deve ser redobrada a cada esquina cruzada. Parece-me ser um recinto de discórdia, melancolia e perdição, onde encontrar uma alma viva bem intencionada seria como encontrar uma agulha em um quilométrico palheiro.
Isso tudo nos leva a crer que é extremamente difícil se encontrar o livro ou periódico que se quer localizar. Na verdade, o mais fácil nestas bandas subterrâneas é perder o rumo e acabar por vagar sem direção e desnorteado, com o coração inundado de desespero.
Contudo, o pior ainda não narrei.
Presenciei discursos temerosos e desamparados relatando que aqueles corredores sinistros já engoliram três almas no passado. Simplesmente assim: três pobres jovens de coração bom desapareceram e estão sumidos há muito tempo. Último destino sabido deles? O mesmo local para o qual preciso me dirigir.
Ninguém em sã consciência se atreve a descer nestas catacumbas literárias. Mas alguns poucos que se aventuraram a ir a poucos metros após a escada que desce para lá dizem que o próprio ambiente possui um clima sorumbático que chega a ser palpável pela atmosfera esfumaçada do lugar. Afirmam também que na parede que fica na outra extremidade em relação ao pé da escada, é possível visualizar marcas de algum escrito antigo e macabro, como um grito de socorro e desespero, marcado, ao que tudo indica segundo as descrições, por unhas humanas.
Poucos que foram um pouco mais adiante neste lugar dizem que ao passar pela sessão de livros sociológicos, que fica praticamente no hall de entrada do andar maldito, é possível ouvir os sussurros desesperados e insistentes dos três que sumiram. Os que presenciaram esta agonia são categóricos em afirmar que são três vozes distintas que assombram aquela galeria moribunda. Juram que escutaram também, destas vozes, apelos urgentes e choros baixinhos, num verdadeiro coro de lamento sem fim.
Agora, meus amigos, o relato mais espantoso e horrendo desta minha carta.
Tratam-se dos dizeres alucinados e completamente mergulhados em temor do calouro de psicologia de seis anos atrás, que se aventurou a adentrar o âmago da biblioteca subterrânea.
Jurou o garoto em profunda agonia que viu três vultos em um momento que pareceu o de uma secreta e perigosa confabulação. Estavam há cerca de vinte metros dele e eram verdadeiros espectros, que vestiam túnicas imaculadas que lhes desciam até os calcanhares pálidos e tinham os cabelos prateados bem penteados para trás.
Vertendo lágrimas incessantes, o pobre diabo afirmava gaguejando que o que mais o amedrontou e o fez gelar até o âmago dos ossos foram os rostos das três aparições, que de imediato se voltaram ameaçadores para ele quando notaram sua presença.
Tinham o rosto mais branco do que a neve, suas bocas eram finos traços abaixo do nariz, eram magros como um esqueleto seco, e os olhos... os olhos. Aqueles olhos carregavam um grande e amedrontador olhar de angústia horrenda. Eram grandes bolas densas, fixas e negras como a mais escura noite, enfeitadas por olheiras sombrias e profundas. Eram olhos da mais intensa e desesperadora condenação e desolação, que amaldiçoavam de maneira assombrosa e indizível aquele pobre rapaz. Eram olhos de morte.
O estudante condenado conseguiu retornar para os níveis superiores em profunda agonia, sendo encontrado desacordado e ensopado de suor. Seu nariz sangrava. É evidente que este jovem nunca mais retornou à universidade após este episódio.
Se todos estes relatos são reais ou não, eu não sei ao certo dizer. A única verdade absoluta é que todos que passam perto das escadas que levam até lá embaixo sentem o profundo clima de terror e apreensão que aqueles velhos corredores subterrâneos transmitem. Pode-se afirmar categoricamente também que alguma coisa está por lá, viva ou morta. Ou ambos.
Ora, eu preciso desesperadamente deste livro específico. Já recorri à pesquisa em inúmeras outras fontes: biblioteca municipal, bibliotecas de outras universidades e colégios, acervos em outros locais. Mas ao que tudo indica o último exemplar existente desta obra antiga está em uma das prateleiras obscuras e sinistras deste lugar de profunda inquietação.
Talvez esta carta seja somente uma manifestação infantil e desnecessária de um jovem amedrontado pelas histórias contadas por aí. Anseio com todas as minhas forças que este seja o caso. Todavia, temo que tudo que foi dito seja verdade. Afinal, o desconhecido mora ali naquelas galerias subterrâneas.
Espero poder encontra-los logo mais.

Com amor,
Nicholas T. Bürder”




Último registro conhecido do acadêmico Nicholas Theodore Bürder, desaparecido em 18 de outubro de 1987.

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