domingo, 13 de julho de 2014

O hospital ao cair da noite

Despertou cedo e logo se encaminhou ao seu compromisso urgente. Aquilo não poderia esperar mais. Era uma situação dantes adiada, mas agora precisava resolvê-la de uma vez por todas.
Atendeu às exigências burocráticas requisitadas pelo hospital e foi encaminhado ao seu local específico à espera da operação que se sucederia. Não sentia nervosismo. Queria, porém, passar pelo procedimento adormecido, sem precisar vivenciar a apreensão de acompanhar desperto a cirurgia que, apesar de simples, passaria aos seus olhos e percepção tão veloz quanto os passos de uma tartaruga.
Seu íntimo desejo foi realizado. Foi induzido ao cochilo e mal viu o tempo passar.
Em sua mente, fragmentos daquilo que conseguiu apreender durante este período ficaram marcados. Mas não eram fragmentos relevantes, entretanto. Nada que pudesse confirmar o desenrolar da operação em consonância com aquilo que conjecturara anteriormente.
Ao despertar em definitivo, já se encontrava em seu quarto para sua espera.
Espera.
Teria de passar a noite ali.
Algo tão simples a princípio. Não tinha por que ser assombrado pela interminável...
Espera.
A noite chegara.
Os barulhos nos arredores do movimentado hospital não cessavam, só faziam aumentar. As paredes agora negras enclausuravam em sua mente uma ideia macabra de que a noite não seria breve. Poderia se arrastar por décadas.
Sentia as dores do pós-operatório. Sozinho no quarto tumultuado pelos ruídos que entravam pela janela que dava para a rua, não deixou que a apreensão e impaciência crescessem tal como as sombras da noite ao seu redor se desenvolveram e se tornaram absolutas.
Bolou maneiras de auxiliar a solitária empreitada a encontrar sua conclusão.
Mas todos estes planos se revelaram verdadeiras manobras desmascaradas pela escuridão de seu dormitório, que devorava implacavelmente, como lobos famintos em um rebanho, qualquer ilusão de que a noite seria tranquila e breve.
Ao apagar da última luz que iluminava parcamente o recinto, os barulhos emitidos pelos veículos lá fora pareceram cessar repentinamente, dando espaço para macabros ruídos inexplicáveis e imprevisíveis.
Baques secos de madeira batendo em madeira que, somados a esporádicas pancadas produzidas pelo que pareciam portas mal fechadas que insistiam em ir e vir na fechadura faziam um coro sinistro com o retumbar de tambores feitos de peles de animais selvagens que martelavam sua mente num ritmo assustador. Ele era capaz também de ouvir cada gota de soro que pingava ali no suporte elevado, gotas que caíam pesadas e ousadas e marcavam um movimento cadenciado que regia a trilha sonora noturna daquele lugar escuro, ao passo que agravavam ainda mais a orquestra noturna, assombrada e sinistra que insistia em visita-lo em angústia e desespero.
A cada mínimo som percebido, os seus olhos ficavam mais atentos e um frio na espinha subia até a nuca. A composição de ruídos sinistros não diminuía a individualidade mórbida de cada um, o que poderia fazer qualquer um na situação dele se entregar às ruínas do desamparo.
Todavia, não sentia medo. Mas a escura e amarga solidão do quarto 746 não poderia ser ignorada. Não tinha outro jeito, porém.
Teria de esperar ali, sozinho, no denso e penetrante negrume.
E este era o problema.

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